"Fuck the rain" Indouro Fest 2015
por João Pedro Amorim, 6 de maio, 19:00
Atravessando a Ponte Luís I ouviam-se os primeiros sons do festival. Era ainda longo o caminho a percorrer para chegar a um dos pontos mais belos do Porto e, por entre turistas que abanavam a cabeça e faziam air drums, percebiam-se tiros de guitarra dreampop. Eram os Rainy Days Factory que agoiravam os céus, já depois do primeiro azar do dia estar confirmado: os Clinic, nome maior deste festival, haviam ficado no aeroporto devido à greve da TAP.
Era, aliás, por isso que os Rainy Days Factory tocavam tão cedo - inicialmente marcados apenas para o palco FNAC coube-lhes a tarefa de abrir o palco da Serra do Pilar, atrasando todos os restantes concertos uma posição no horário. O palco FNAC, no Jardim do Morro, foi um belo pormenor deste festival. De acesso livre o palco era uma espécie de presente para os gaienses. A cena era bucólica, com muitas crianças e pessoas de todas as idades que formavam uma plateia francamente numerosa. Foram-se tocando standards rock que entreteram quem passava, mas o destaque vai para a guitarra recortada e para o baixo cor-de-rosa dos Black Sombrero.
por João Pedro Amorim, 6 de maio, 19:00
Atravessando a Ponte Luís I ouviam-se os primeiros sons do festival. Era ainda longo o caminho a percorrer para chegar a um dos pontos mais belos do Porto e, por entre turistas que abanavam a cabeça e faziam air drums, percebiam-se tiros de guitarra dreampop. Eram os Rainy Days Factory que agoiravam os céus, já depois do primeiro azar do dia estar confirmado: os Clinic, nome maior deste festival, haviam ficado no aeroporto devido à greve da TAP.
Era, aliás, por isso que os Rainy Days Factory tocavam tão cedo - inicialmente marcados apenas para o palco FNAC coube-lhes a tarefa de abrir o palco da Serra do Pilar, atrasando todos os restantes concertos uma posição no horário. O palco FNAC, no Jardim do Morro, foi um belo pormenor deste festival. De acesso livre o palco era uma espécie de presente para os gaienses. A cena era bucólica, com muitas crianças e pessoas de todas as idades que formavam uma plateia francamente numerosa. Foram-se tocando standards rock que entreteram quem passava, mas o destaque vai para a guitarra recortada e para o baixo cor-de-rosa dos Black Sombrero.
Em 2015 não tenho ouvido muita música de guitarras, por isso voltando ao palco principal onde os The Lost Rivers tocavam foi um pouco um choque. Embrenhados no universo que construíam entre o post punk e guitarras distorcidas a la shoegaze, os alemães fizeram-se tão silenciosos quanto ruidosa era sua música: sem palavras entre músicas, entregaram tudo na música. O trio discreto, mas intenso, fez oscilar cabeças e preparou o .
Com a potência rítmica - e às vezes mais do que isso - de uns Wild Beasts, os Electric Litany seguiram-se no alinhamento. Os gregos, irrepreensíveis em palco, apresentaram guitarras aveludadas em delay, alguns samples de voz e, no meio da artilharia de sintetizadores, um vocoder que se revelou num par de músicas - p.e. em Silence.
A banda, que não consegue fugir à etiqueta de indie rock, revela algo de espiritual em temas como Name. Houve também momentos onde esta busca da transcendência foi exagerada, como o piano dramático em Don’t Fear the War. Piano esse que voltou mais adiante, por cima de toda a orquestração, num registo quase de jazz.
Apesar de o “psico noise” (Voz na Plateia, 2015) dos Electric Litany não ter agradado a todos por ser “pior que música clássica” (Ibidem) a reacção do público aos gregos foi sobretudo positiva - quem dera tal ao Syriza. Estava a ser um agradável dia de festival.
Foi então que tudo mudou. Apesar das ameaças ao longo de toda a tarde, a chuva não era presente. Algo no espírito festivaleiro, geralmente associado com falta de sensatez, sol e calor, impediu muitos dos presentes, incluindo este que aqui escreve, de andar precavido com guarda-chuvas, impermeáveis - ou no meu caso, roupa decente. Assim, quando a . Ainda para mais com o concerto muito moreninho e quase irrelevante dos The Lemiñanas, que jogam em terrenos férteis da canção francesa próxima de Serge Gainsbourg, mas sem grande arte. Com uns calores de americana, nem os solos de guitarra e de órgão foram suficientes para arrancar da plateia o calor humano.
[Pausa para pão com panado/bifana/outra coisa qualquer]
Com a potência rítmica - e às vezes mais do que isso - de uns Wild Beasts, os Electric Litany seguiram-se no alinhamento. Os gregos, irrepreensíveis em palco, apresentaram guitarras aveludadas em delay, alguns samples de voz e, no meio da artilharia de sintetizadores, um vocoder que se revelou num par de músicas - p.e. em Silence.
A banda, que não consegue fugir à etiqueta de indie rock, revela algo de espiritual em temas como Name. Houve também momentos onde esta busca da transcendência foi exagerada, como o piano dramático em Don’t Fear the War. Piano esse que voltou mais adiante, por cima de toda a orquestração, num registo quase de jazz.
Apesar de o “psico noise” (Voz na Plateia, 2015) dos Electric Litany não ter agradado a todos por ser “pior que música clássica” (Ibidem) a reacção do público aos gregos foi sobretudo positiva - quem dera tal ao Syriza. Estava a ser um agradável dia de festival.
Foi então que tudo mudou. Apesar das ameaças ao longo de toda a tarde, a chuva não era presente. Algo no espírito festivaleiro, geralmente associado com falta de sensatez, sol e calor, impediu muitos dos presentes, incluindo este que aqui escreve, de andar precavido com guarda-chuvas, impermeáveis - ou no meu caso, roupa decente. Assim, quando a . Ainda para mais com o concerto muito moreninho e quase irrelevante dos The Lemiñanas, que jogam em terrenos férteis da canção francesa próxima de Serge Gainsbourg, mas sem grande arte. Com uns calores de americana, nem os solos de guitarra e de órgão foram suficientes para arrancar da plateia o calor humano.
[Pausa para pão com panado/bifana/outra coisa qualquer]
Sem os Clinic, esta foi, sobretudo, uma noite de descoberta. E se os Electric Litany já tinham sido uma alegre surpresa, os franceses Tristesse Contemporaine fizeram, paradoxalmente, da noite uma festa. O vocalista e mestre de cerimónias que, além das palavras recorria ocasionalmente a vocalizações e latidos, era o centro de uma formação com baterista, teclista e guitarrista. “No one will die, no one will get injured. Let’s have a good time. We’ve waited eleven hours to have a good time”. E a espera valeu a pena.
Apesar de existencialistas a reação à liberdade existencial dos franceses não agradaria a Sartre na sua irresponsabilidade “I never get caught, i do what i want”. Libertinos e niilistas reagem ao tédio existencial com festa, melancólica e essencial, em temas como Daytime Nighttime. Sobretudo um MC, Maik por raras vezes canta melodicamente, mas quando o faz, chega a um outro nível da expressão e, no universo vizinho ao dos Gorillaz, produz pérolas como Hell is Other People ("L'enfer, c'est les autres”, citação de Sartre). E foi o que aconteceu no sábado. A chuva caía com força mas os Tristesse Contemporaine, no concerto da noite - a nível musical, a nível da interpelação do público e de presença em palco em geral - fizeram com que ela se esquecesse.
De tal forma que, quando o os The Lucid Dream entraram em palco, já só havia chuviscos. Os Ingleses tocaram sem um guitarrista devido também à greve dos pilotos da TAP. Repetitivo e trippante, foi uma viagem-sonho que caiu mal aos mais cansados (e molhados), vários dos quais foram abandonando o recinto, mas que fez a noite daqueles que vieram com capacetes ou com outros auxiliares metafísicos. Rock psicadélico contido, mas sempre a apontar para os astros.
Foram poucos os sobreviventes à chuva, mas nem por isso João Vieira se fez rogado. Reanimando as poucas dezenas que restaram até ao fim, o mentor dos White Haus fez do pátio da Igreja da Serra do Pilar pista de dança. Acompanhado pela vocalista e pelo baixista dos Dear Telephone, passou por temas como How I feel e All I Wanted, e mandou para a cama um grupo de ensopados.
O segundo dia começou como começara o primeiro: cancelamento, desta vez dos Toy, sempre por causa da “greve” dos pilotos da TAP. Enquanto no primeiro dia o público foi diminuindo com o avançar das horas (e da chuva), o segundo dia verificou o oposto. Quando chegamos, atrasados, os Whistlejacket já terminavam o segundo concerto do dia e eram poucos os que se juntavam ao palco. Mas aproximava-se o concerto de Yuck e a plateia, sem nunca ser grande, adensou-se.
Apesar de existencialistas a reação à liberdade existencial dos franceses não agradaria a Sartre na sua irresponsabilidade “I never get caught, i do what i want”. Libertinos e niilistas reagem ao tédio existencial com festa, melancólica e essencial, em temas como Daytime Nighttime. Sobretudo um MC, Maik por raras vezes canta melodicamente, mas quando o faz, chega a um outro nível da expressão e, no universo vizinho ao dos Gorillaz, produz pérolas como Hell is Other People ("L'enfer, c'est les autres”, citação de Sartre). E foi o que aconteceu no sábado. A chuva caía com força mas os Tristesse Contemporaine, no concerto da noite - a nível musical, a nível da interpelação do público e de presença em palco em geral - fizeram com que ela se esquecesse.
De tal forma que, quando o os The Lucid Dream entraram em palco, já só havia chuviscos. Os Ingleses tocaram sem um guitarrista devido também à greve dos pilotos da TAP. Repetitivo e trippante, foi uma viagem-sonho que caiu mal aos mais cansados (e molhados), vários dos quais foram abandonando o recinto, mas que fez a noite daqueles que vieram com capacetes ou com outros auxiliares metafísicos. Rock psicadélico contido, mas sempre a apontar para os astros.
Foram poucos os sobreviventes à chuva, mas nem por isso João Vieira se fez rogado. Reanimando as poucas dezenas que restaram até ao fim, o mentor dos White Haus fez do pátio da Igreja da Serra do Pilar pista de dança. Acompanhado pela vocalista e pelo baixista dos Dear Telephone, passou por temas como How I feel e All I Wanted, e mandou para a cama um grupo de ensopados.
O segundo dia começou como começara o primeiro: cancelamento, desta vez dos Toy, sempre por causa da “greve” dos pilotos da TAP. Enquanto no primeiro dia o público foi diminuindo com o avançar das horas (e da chuva), o segundo dia verificou o oposto. Quando chegamos, atrasados, os Whistlejacket já terminavam o segundo concerto do dia e eram poucos os que se juntavam ao palco. Mas aproximava-se o concerto de Yuck e a plateia, sem nunca ser grande, adensou-se.
Os Yuck já foram uma das esperanças mais relevantes do indie rock (aquele específico tocado por malta como Pavement e Modest Mouse). No entanto, a saída de Daniel Bloomberg (vocalista e principal compositor) para se dedicar ao seu projecto a solo Hebronix fez perder alguma força. Por um lado, porque a voz de Max Bloom é mais contida e discreta que a de Bloomberg, por outro, porque, também responsável pelo microfone, Max Bloom torna-se um guitarrista mais constrito. Discretos e tímidos, iam soltando um “Fuck the Rain”, para apoiar aqueles que debaixo dela estavam, e outro irónico “Fuck Lisbon, Porto is so much better”. Raramente os Yuck saíram da apatia. Get Away e The Wall foram momentos altos e em Middle Sea, anteveu-se um esboço de mosh, mas faltou gente e a chuva não convidava. Tocaram ainda uma música nova, um slow com direito a pausa e reprise.
Perto do final passaram por Age of Consent dos New Order e fecharam com Operation, em registo quase anticlimático. Bom mas morno, quem ouviu e gosta queria mais - por exemplo músicas choninhas como Suicide Policeman ou malhões de 7 minutos como Rubber.
Num dia dedicado à música britânica, as londrinas Lola Colt espalharam o seu rock psicadélico de Western. Numa performance intensa, as shamans na voz e nos teclados, catalisaram as energias da banda e contagiaram toda a audiência. Parecia que a música saía das vozes e corpos destas duas guerreiras que se agitavam em voluptuosas danças da chuva. Chovia, mas só havia olhos para aquelas duas.
Refastelados do jantar chegamos ao que seria o último concerto festival. Os British Sea Power tinham à sua frente uma audiência reduzida, mas considerável tendo em conta o público reduzido dos outros dias. Praticando um rock simples, mas belo e límpido vizinho ao pós-rock, a banda britânica recorreu ainda a samples e a projeções para enriquecer o cardápio das ofertas. Mas era mesmo a música dos britânicos e os olhos esbugalhados do seu vocalista principal Jan Scott Wilkinson que faziam abanar como ondas esses marujos munidos de impermeáveis e guarda-chuvas. Cantavam Waving Flags e viam-se braços a abanar. Tocavam um instrumental e o público continuava a abanar. Chegavam ao momento mais cru, The Spirit of St. Louis, e a reação era proporcional. No fim de uma pirueta e Jan Scott agradeceu a deus, apontando para a igreja da Serra do Pilar. Em resposta os guarda-chuvas levantaram-se.
Apesar de bons concertos, o Indouro sentiu-se sempre de uma forma muito medíocre. Sem a ajuda do tempo eram precisos concertos verdadeiramente bons para vencer essa distração aguaceira, ou então, nomes bem conhecidos do público. Além disso, a organização não conseguiu, nem arranjar substitutos que pelo menos disfarçassem as faltas, nem informar devidamente o pouco público que ia entrando e comprando bilhete para o festival. Ficam estas notas para a edição do próximo ano, entretanto já confirmada. A somar à coerência do cartaz e à beleza privilegiada do recinto pede-se agora, com a experiência da primeira edição, mais competência na resolução de problemas e, se possível, mais público.
Perto do final passaram por Age of Consent dos New Order e fecharam com Operation, em registo quase anticlimático. Bom mas morno, quem ouviu e gosta queria mais - por exemplo músicas choninhas como Suicide Policeman ou malhões de 7 minutos como Rubber.
Num dia dedicado à música britânica, as londrinas Lola Colt espalharam o seu rock psicadélico de Western. Numa performance intensa, as shamans na voz e nos teclados, catalisaram as energias da banda e contagiaram toda a audiência. Parecia que a música saía das vozes e corpos destas duas guerreiras que se agitavam em voluptuosas danças da chuva. Chovia, mas só havia olhos para aquelas duas.
Refastelados do jantar chegamos ao que seria o último concerto festival. Os British Sea Power tinham à sua frente uma audiência reduzida, mas considerável tendo em conta o público reduzido dos outros dias. Praticando um rock simples, mas belo e límpido vizinho ao pós-rock, a banda britânica recorreu ainda a samples e a projeções para enriquecer o cardápio das ofertas. Mas era mesmo a música dos britânicos e os olhos esbugalhados do seu vocalista principal Jan Scott Wilkinson que faziam abanar como ondas esses marujos munidos de impermeáveis e guarda-chuvas. Cantavam Waving Flags e viam-se braços a abanar. Tocavam um instrumental e o público continuava a abanar. Chegavam ao momento mais cru, The Spirit of St. Louis, e a reação era proporcional. No fim de uma pirueta e Jan Scott agradeceu a deus, apontando para a igreja da Serra do Pilar. Em resposta os guarda-chuvas levantaram-se.
Apesar de bons concertos, o Indouro sentiu-se sempre de uma forma muito medíocre. Sem a ajuda do tempo eram precisos concertos verdadeiramente bons para vencer essa distração aguaceira, ou então, nomes bem conhecidos do público. Além disso, a organização não conseguiu, nem arranjar substitutos que pelo menos disfarçassem as faltas, nem informar devidamente o pouco público que ia entrando e comprando bilhete para o festival. Ficam estas notas para a edição do próximo ano, entretanto já confirmada. A somar à coerência do cartaz e à beleza privilegiada do recinto pede-se agora, com a experiência da primeira edição, mais competência na resolução de problemas e, se possível, mais público.